A Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba) vai discutir em plenária a possibilidade de anulação do rebaixamento da Unidos de Padre Miguel, escola de samba que terminou na última colocação (12°) no Carnaval de 2025.
A agremiação entrou com recurso na liga momentos após a apuração, na Quarta-Feira de Cinzas (5). Ela reclama de dois aspectos: um suposto problema no carro de som que teria durado 17 minutos —os desfiles duram entre 70 e 80 minutos— e a justificativa de uma julgadora, que retirou um décimo de samba-enredo da escola por “excesso de termos em iorubá” na composição.
A justificativa foi vista pela escola como intolerância religiosa.
A escola rebaixada perdeu 1,2 ponto em harmonia (o entrosamento entre o ritmo e o canto dos desfilantes), bateria e samba-enredo, quesitos que poderiam envolver o caso da julgadora e possíveis falhas de som na avenida. A diferença entre a Padre Miguel (266,8 pontos) e a Mocidade Independente (267,9), penúltima colocada, foi de 1,1 ponto.
Sobre o som, a agremiação defende que a suposta falha técnica teria atrapalhado o canto do intérprete e dos componentes, o que teria ocasionado a perda de pontos nos quesitos.
Outras escolas, como a Acadêmicos do Grande Rio, segunda colocada, também entraram com recurso para reavaliação de nota, mas apenas o da Padre Miguel foi aceito.
A Liesa afirma que o recurso será votado pelas escolas que compõem o Grupo Especial. A permanência ou rebaixamento da escola vai depender da maioria formada na sessão.
Segundo dirigentes da liga, a previsão é de que a plenária aconteça no próximo dia 20. A data, contudo, não está confirmada.
No sábado das campeãs, o presidente da Liesa, Gabriel David, tratou o caso da julgadora como “racismo religioso”.
Em relação ao som, um diretor da Liesa, sob reserva, afirma que falhas técnicas são passíveis de acontecer. O regulamento do Carnaval 2025 indica que “caso ocorra falta, parcial ou total, de energia elétrica ou de som na pista, a escola de samba deverá continuar o seu desfile sem interrupção”.
“Nenhuma outra escola enfrentou um problema dessa magnitude”, afirma Lara Mara, diretora de Carnaval da Unidos de Padre Miguel. “Respeitamos o julgamento, mas entendemos que a apuração deste ano trouxe pontos que exigem análise para garantir mais equilíbrio e coerência na avaliação”.
As pressões públicas pela permanência da escola aumentaram após a divulgação da justificativa da julgadora Ana Paula Fernandes para a nota 9,9 dada em samba-enredo.
No mapa de notas, divulgado horas após a apuração, Fernandes afirmou que o samba da escola, sobre a fundação do primeiro terreiro de candomblé do Brasil, a Casa Branca do Engenho Velho, tinha “trechos de difícil entendimento devido ao excesso de termos em iorubá (muitas estrofes)”.
Ana Paula Fernandes foi a mesma julgadora que esqueceu de dar notas para três escolas de samba na terceira noite de desfiles. Deu apenas nota para a Grande Rio. Ela é graduada em artes cênicas, doutora em ciências sociais e estuda o patrimônio cultural afro-brasileiro e sua politização.
A reportagem não conseguiu localizar a julgadora.
A justificativa foi vista pela escola como intolerância religiosa e a indignação furou a bolha das escolas de samba. A pressão pública envolveu políticos como as ministras Margareth Menezes (Cultura) e Anielle Franco (Igualdade Racial) —que desfilou pela Unidos de Padre Miguel.
“Isso não é só um erro de julgamento, é um desrespeito à nossa ancestralidade”, escreveu Margareth Menezes em sua conta no X.
“Mais do que revisão de notas, buscamos justiça e critérios claros na avaliação. O próprio presidente da Liesa reconheceu que a UPM [Unidos de Padre Miguel} foi prejudicada, reforçando a necessidade de um debate sobre os critérios e qualificação dos jurados”, afirma Lara Mara, que recebeu apoio de outras escolas, como Grande Rio e Imperatriz Leopoldinense —ela desfilou à frente das duas agremiações no sábado das Campeãs.
Mas o entendimento pela permanência da Unidos de Padre Miguel não é unânime entre as escolas. A opção de mantê-la no Grupo Especial tem suscitado entre dirigentes um outro debate, sobre a divisão dos patrocínios recebidos de empresas privadas e da prefeitura.
Caso a escola permaneça, o Grupo Especial passaria a ter 13 agremiações, fragmentando mais os valores de subvenção. Em 2025, cada uma das 12 escolas recebeu da Prefeitura do Rio R$ 2,15 milhões.
Dirigentes temem também o descumprimento de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado entre a Liesa e a Promotoria do Rio de Janeiro em 2018. O documento impede viradas de mesa.
Presidente de uma frente parlamentar para debater o Carnaval carioca na Câmara do Rio, o vereador Felipe Pires (PT) afirma que vai propor a profissionalização dos julgadores.
Ele defende ainda que a prefeitura participe do critério de avaliação. Uma das possibilidades já aventadas em outros anos é que o município se envolva na escolha os avaliadores.
O Grupo Especial tem 36 julgadores, divididos em nove quesitos. A escolha é feita via análise de currículo e curso de formação.
“Já discursei contra as arbitrariedades que estão sendo cometidas. Há dinheiro público municipal investido na festa, então precisamos ter mecanismos de fiscalização e aprimoramento”, afirma Pires.
“Um jurado recebe R$ 5.500 pelos três dias. Isso é a entrada de uma noite do camarote mais badalado da Sapucaí. Isso não é razoável. Um profissional só dá conta do seu trabalho se for bem remunerado.”