
Adão Francisco de Oliveira
Vinte de novembro relembra a data da morte de Zumbi dos Palmares, possivelmente o maior líder quilombola brasileiro e o último grande líder do Quilombo dos Palmares, ocorrida em 1695 na Serra Dois Irmãos, na Capitania de Pernambuco (atualmente a localidade pertence ao estado de Alagoas). Filho de escravizados fugidos e aquilombados na Serra da Barriga, aos seis anos Zumbi foi capturado e entregue aos cuidados do padre missionário português Antônio Melo, que o batizou como Francisco, o conferiu os sacramentos, lhe ensinou português e latim e recebia a sua ajuda na celebração das missas.
Com 15 anos de idade, Zumbi (palavra do idioma africano quimbundo que significa “fantasma”) foge da igreja à qual estava cativo e depois de longa caminhada chega à Serra Dois Irmãos, onde, com o passar do tempo, estabelece a sua liderança frente às investidas de bandeirantes contratados pelo governador da Capitania de Pernambuco para destruir o quilombo.
20 de novembro relembra a morte de Zumbi, mas não celebra a sua morte, e sim, a sua resistência, força e coragem na luta por liberdade, representando o Dia da Consciência Negra! É com esse preceito que chegamos ao terceiro ano do feriado com o mesmo nome e nele temos saldo suficiente para realizar um bom balanço dos avanços face aos direitos e dos gargalos que ainda provocam represamentos na promoção da igualdade racial e no combate ao racismo no Tocantins.
Há um ano a Secretaria Estadual da Igualdade Racial foi efetivada com a posse do primeiro secretário da pasta, ocorrida no dia 08 de novembro, cuja prerrogativa era a de estruturar o órgão para o desenvolvimento das ações fundamentais de reparação histórica. Esta responsabilidade coube a mim e eu a recebi como mais uma missão, dada a sua dificuldade, neste caso, pelo ineditismo da coisa: a secretaria não existia e eu e a equipe nomeada tivemos que a constituir desde os primeiros tijolos.
Estive secretário da Igualdade Racial por 10 meses (de novembro de 2024 a setembro de 2025) e nesse intervalo de tempo nós fomos da constituição do CNPJ da secretaria até a realização da V Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial, que representou um marco para o Tocantins, com presença de mais de 350 pessoas, sendo uma das conferências temáticas do Estado em 2025 com mais participação. Entre uma ação e outra desenvolvida nesse tempo, cabe destacar: o planejamento sistemático para a atuação dos servidores da secretaria, através da montagem de um plano de trabalho com programas e projetos bem definidos; os encontros semanais de avaliação, planejamento e formação; as ações interinstitucionais nos quilombos em situação de maior violência e/ou de maior vulnerabilidade; a montagem da sede e de sua frota de veículos; e as articulações intersetoriais, sejam com ministérios ou com secretarias estaduais e municipais.
Nessas ações, a orientação era a de sempre dialogar com os movimentos sociais, as associações, as entidades e as representações das comunidades para que as políticas públicas fossem referendadas desde a base. Nesse sentido, nos interagimos com os grupos estaduais de capoeira; com as comunidades quilombolas, suas associações e a sua representação estadual feita pela COEQTO; com a comunidade de ciganos; com as representações camponesas; com as quebradeiras de coco e demais extrativistas; com os ribeirinhos deslocados de contexto; e também com os indígenas. Aliás, as nossas ações sempre estiveram em consonância com a Secretaria Estadual dos Povos Tradicionais e originários, a SEPOT.
De nossa parte, à medida em que tomávamos pé da situação contextual do Tocantins, nos formávamos mediante as leituras e as discussões dos encontros de formação e compreendíamos a organização do Estado diante das demandas, fomos tendo certeza de que o maior desafio para o combate ao racismo no Tocantins e para a promoção de uma educação antirracista estava na formação dos profissionais e técnicos do Estado.
Acho importante falar sobre isso agora e espero a compreensão do leitor, especialmente se for um servidor público. NÓS PRECISAMOS DE FORMAÇÃO PARA SUPERAR O RACISMO PRESENTE EM NÓS! Isso mesmo: NÓS. Eu também, os militantes dos movimentos sociais, os representantes das associações; todos nós. O racismo é estrutural. O que isso significa? Que ele é uma construção ideológica de 5 séculos e está presente em nosso imaginário coletivo sem que consigamos perceber. É em falas despretensiosas e em ações despercebidas que ele se manifesta, passando despercebido de nosso senso crítico.
Logo, para que consigamos eliminar o racismo e promover a igualdade racial, precisamos todos compreender que somos todos racistas. Ao fazê-lo, é preciso ficar atento ao sentimento, ao comportamento e às falas diante de situações que expõem as relações étnico-raciais. Obviamente, isso não é nada fácil de se fazer e é por isso que a primeira ação estrutural do Estado precisa ser um amplo programa de formação.
Contudo, como é o próprio Estado o responsável pela socialização das políticas públicas, os primeiros sujeitos que necessitam dessa formação em educação antirracista são os agentes do Estado: profissionais, técnicos, servidores públicos.
É muito comum ouvirmos pessoas dizerem: ah, eu não sou racista. Sem dúvida, essas serão as mais difíceis de se educar, porque elas partem diretamente da negação do que é real: o racismo estrutural presente em seu imaginário. No serviço público isso não é diferente. Há muitos servidores que acreditam não ser racistas e isso acaba comprometendo o seu serviço. O certo é compreender que há uma ideologia fortemente estruturada ao longo de 5 séculos mediante informações racistas, preconceituosas e discriminatórias que está na base das relações sociais e educacionais e que, portanto, orientam a nossa ação social sem que, muitas vezes, percebamos.
Assim, A MELHOR FORMA DE NÃO SER RACISTA É ASSUMINDO O COMBATE AO RACISMO, desde a sua própria reeducação. Por isso, a Educação antirracista é a principal ação que precisa ser validada nesse contexto de avanço de direitos e de conquista de políticas públicas. Aliás, a validade e a efetividade dessas políticas públicas dependerão exatamente da ausência de qualquer ranço em sua implementação. Dessa forma, os servidores públicos precisam ser um alvo central no processo de formação em educação antirracista.
Não por acaso, enquanto estivemos à frente da SEIR realizamos intensa tratativa com a Polícia Militar, com a Secretaria Estadual de Saúde e com a Secretaria Estadual da Educação para a constituição e a implementação conjuntas de programas de formação em educação antirracista. Entendemos que, para início de trabalho, essas três áreas, muito sensíveis no tratamento direto com o público, necessitam imediatamente dessa ação.
A promoção da igualdade racial no Tocantins (e também no Brasil) depende de toda a sociedade. Os grupos sociais demandatários dessas políticas têm o direito garantido por lei. No Tocantins, o Estado tem a secretaria específica criada para a formulação e a implementação das políticas de promoção da igualdade racial, com o devido amparo do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial.
Se promove a igualdade racial fazendo reparação histórica mediante a geração de oportunidades. Para que as oportunidades sejam geradas, é preciso que os agentes públicos compreendam que há um racismo que sempre as impediu à população não branca (negros, indígenas, quilombolas, ciganos, camponeses, povos e religiões de matriz afro-brasileiras). Não compreender isso é estar dominado pelo racismo (estrutural). Por isso a necessidade da educação antirracista.
Adão Francisco de Oliveira é doutor e pós-doutor em Geografia, historiador e sociólogo, ex-secretário de Educação do Tocantins e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

