Tinha para mim que sumiço de joia era coisa de ladrão de casaca em filme do Alfred Hitchcock. De investigação para Hercule Poirot em livro da Agatha Christie.
Quiçá aventura nos quadrinhos do Tintin —e não um caso tão familiar, com direito a apagamento literal e metafórico de uma parente minha.
Tudo começou pouco tempo atrás, quando decidi pendurar retratos antigos numa parede de casa, mas também em outubro de 1914, na famosa “noite do corta-jaca” que escandalizou o país. Uma história que eu poderia puxar por vários lados e fios diferentes, feito um colar de pérolas, não fosse o adorno em questão ser bem outro.
Muito que bem. Revirando caixas e espanando álbuns, deparei-me não apenas com camadas de poeira e mistério, mas com um quadrinho. Nele, estava minha bisavó Euthalia, bastante retocada —nos moldes de antigamente mesmo, não de botox. E, por trás da moldura, escondida, a foto original com um detalhe a mais: um broche em formato de violão.
Tal acessório, por si só, não me causou espécie, pois Thatá era “senhoura” que tocava em saraus num tempo desprovido de Spotify. Minha dúvida era por que haviam apagado o enfeite da imagem emoldurada para visitas. Foi dali que meu raciocínio pulou imediatamente para os salões do Palácio do Catete, num passinho deveras arrojado.
Euthalia era contemporânea de Nair de Teffé, não apenas nossa primeira mulher caricaturista, mas primeiríssima-dama do Brasil durante o governo de Hermes da Fonseca. A poucas semanas da passagem de faixa do marido, ofereceu uma recepção oficial e tocou —”elazinha” mesma, ao violão um tango brasileiro composto por Chiquinha Gonzaga, “Gaúcho”, o “Corta-Jaca”.
Popular demais para “soirées” da elite, sobretudo executado assim por uma “dama”, caiu feito uma bomba nos jornais e levou Rui Barbosa a considerá-lo o equivalente de época a um proibidão no TikTok. “A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba”.
Por sorte, vivemos no Brasil. E até a fúria da igreja virou marchinha: “Se o santo papa soubesse/o gosto que o tango tem/ viria do Vaticano/ dançar maxixe também”. Linda e maravilhosa, Thatá pulou muito nesse carnaval. De broche estufado no peito.
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