Kendrick Lamar levou as ruas do gueto dos Estados Unidos ao campo de futebol americano. Em uma exaltação à cultura do rap da costa oeste, o rapper foi a atração do intervalo do Super Bowl, a final do futebol americano, e entoou seus versos no estádio de New Orleans na noite deste domingo (9) —inclusive aqueles do hit “Not Like Us”, o mais aguardado do setlist, e que poderia ter ficado de fora por ser parte de uma briga com Drake.
Na apresentação, que durou cerca de 15 minutos, Lamar cantou seus principais sucessos ao lado de canções de seu álbum mais recente, “GNX”. Além de uma participação de SZA, a performance foi embalada por intervenções do ator Samuel L. Jackson, com as vestes de Tio Sam.
O cantor de 37 anos iniciou com “Bodies”, cantando sobre o capô de um Buick GNX —o mesmo modelo que vemos na capa do álbum—, enquanto era cercado por dançarinos com macacões vermelhos, brancos e azuis. As cores, as mesmas da bandeira americana, se destacavam no palco sóbrio, que na visão aérea parecia um jogo da velha de vidro e neon. Em uma coreografia que unia uma marchar militar e gestos de revolta, o grupo reproduziu a flâmula nacional ao som de “Humble”.
A apresentação gerou grande expectativa desde o anúncio de Lamar como atração, levantando questionamentos sobre qual seria o tom do show. Conhecido por letras que expressam consciência política em narrativas intensas, o rapper se consolidou como um dos grandes expoentes do gênero. Na última edição do Grammy, levou cinco prêmios, incluindo canção e gravação do ano justamente por “Not Like Us”.
O rapper aproveitou a expectativa pelo hit polêmico para brincar com o público, conforme o próprio coro de backing vocals e dançarinos o provocavam, cantando “você vai mesmo fazer isso?” Ao que ele respondia: “Eu quero tocar a música favorita deles, mas vocês sabem que eles adoram processar.”
A letra é sensível —a certa altura, Lamar acusa o rapper canadense Drake de pedofilia. “Not Like Us” surgiu como uma “diss track” em resposta a Drake, numa batalha de rimas que se estendeu por todo 2024.
O Super Bowl é o evento de maior audiência da televisão americana e costuma ser visto por muitas famílias, o que gerou especulações sobre um possível veto da NFL, a Liga Nacional de Futebol Americano, à música.
Lamar, no entanto, conseguiu transformar esse momento em algo maior que sua rivalidade com Drake, exaltando o rap das ruas. Quando Samuel L. Jackson pediu que ele fizesse algo “mais gueto”, o rapper se deslocou para um cenário que reproduzia uma avenida, com postes e luzes piscando no meio do campo, enquanto cantava “Euphoria” e “DNA” —faixa que faz parte do disco “Damn” e com a qual se tornou o primeiro da história a vencer um prêmio Pulitzer.
Mas o centro de sua apresentação foi seu último álbum, que inclui as canções “Man at the Garden” e “Peekaboo”.
Nos últimos anos, o Super Bowl tem se aberto cada vez mais ao hip hop e ao R&B, em uma parceria entre a NFL e a Roc Nation, empresa de entretenimento fundada por Jay-Z. A mudança ficou evidente na edição de 2023, que reuniu grandes nomes do gênero, como Snoop Dogg, Dr. Dre, Eminem e Mary J. Blige. Em 2024, foi a vez de Usher e Alicia Keys.
Kendrick Lamar trouxe uma fusão dos dois estilos para o palco, especialmente com a participação de SZA em um momento mais suave da apresentação. Juntos, eles cantaram sua colaboração mais recente, “Luther”, além de “All The Stars”, trilha sonora do filme “Pantera Negra”, que animou o público.
“Not Like Us”, o ápice, claro, ficou para o final. Lamar caminhou pela rua cenográfica, iluminada por luzes piscantes, e entregou uma versão mais sutil da música, suavizando trechos da letra. A surpresa da noite foi a participação da tenista Serena Williams, ex-namorada de Drake, adicionando mais camadas de significado à apresentação.
O espetáculo fechou com “TV Off”, quando Lamar fingiu desligar a televisão, como se, enfim, ele apitasse o final do seu próprio jogo.