Uma travessia promovida pelo movimento Legendários entre os dias 10 a 13 de abril acessou sem autorização o parque estadual da Serra do Ouro Branco, na região central de Minas Gerais, a cerca de 110 km de Belo Horizonte.
De acordo com o IEF (Instituto Estadual de Florestas), órgão do governo estadual que faz a gestão dessa unidade de conservação, integrantes do movimento também acamparam no local de forma ilegal, já que a atividade é proibida pelo plano de manejo do parque.
Em nota, o IEF também afirmou que o grupo comunicou a intenção de realizar atividades na área protegida com apenas dois dias de antecedência, sem atender ao prazo exigido pelo órgão, e encaminhou documentação incompleta.
Procurado via redes sociais e pelo contato da página oficial do evento, o Legendários La Conquista, responsável pela organização da travessia, não respondeu até a publicação da reportagem. Para fazer parte da edição, cada membro teve de pagar R$ 1.400.
Moradores e profissionais que atuam na região também questionam métodos de integrantes do grupo.
Ian Belo, que trabalha com turismo de aventura na região de Ouro Branco, cidade vizinha de Ouro Preto, diz que o grupo chegou de madrugada com veículos que fizeram barulho e afetaram uma comunidade de cerca de 150 pessoas que moram no local.
Ele também questiona o impacto da presença de centenas de participantes em uma unidade de conservação.
“Quando você coloca, por dinheiro ou não, 400, 300 pessoas em uma montanha, você deve ser questionado. Não importa se é um evento de corrida de montanha, ou de escalada. O reflexo disso é você ter uma dificuldade na gestão do impacto dessas pessoas”, afirma Belo.
Voltado exclusivamente para homens, o Legendários promove imersões intensas na natureza, com a proposta de oferecer uma transformação profunda.
Cada um que passa pelo programa ganha um número. O legendário número um, dizem os organizadores, foi Jesus Cristo.
O grupo, presente em 18 países, foi criado na Guatemala em 2015 e chegou ao Brasil dois anos depois. Ao longo de 2025, estão previstos pelo menos 325 eventos, mais da metade em território brasileiro.
O professor Bernardo Machado Gontijo, do Departamento de Geografia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), explica que o uso público em unidade de conservação de proteção integral, como na Serra do Ouro Branco, é restrito a algumas atividades.
[É permitido apenas] pesquisa, ecoturismo e educação ambiental. Nenhum deles se encaixa na atividade dos Legendários, que podem ser considerados terroristas ambientais”, diz o professor.
Fernando Biagioni, que pratica corrida de montanha e é frequentador do local, registrou em fotos montes de lixos deixados da última expedição e que só foram recolhidos pelos participantes no dia seguinte.
Ele afirmou que os dejetos foram tapados com cal e acrescentou que o plano de manejo do parque limita a passagem de pessoas em alguns locais.
“Existem estudos com uma prospecção de quantas pessoas poderiam passar em cada trilha, de acordo com a relevância dela, com as características e preservação. Tem trilhas que podem passar 60 pessoas por dia”, diz Biagioni.
No dia 11, uma equipe do IEF alertou os organizadores do Legendários sobre a irregularidade da ação e de que ela deveria ser interrompida. Como isso não aconteceu, uma vistoria foi realizada para apuração de possíveis infrações ambientais.
“O relatório está em fase de finalização e será encaminhado à administração para a adoção das medidas cabíveis, que podem incluir advertências e autuações”, diz o órgão.