Fazer, de forma consciente, o uso do álcool ao mesmo tempo que um psicofármaco é mais comum do que se imagina. O que muitos podem não saber são os riscos envolvidos na prática.
Essa mistura pode causar diferentes reações no corpo, a depender da classe do medicamento. O álcool é uma droga lícita que atua como depressora do sistema nervoso central. Na prática, isso significa que o seu sistema nervoso fica mais lento e relaxado. Os medicamentos psiquiátricos, assim como o álcool, também atuam no cérebro. Então o que acontece se misturarmos os dois?
“Sempre vai ter algum tipo de interação”, diz Renata Azevedo, psiquiatra e professora do departamento de psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). “Por classe de psicofármacos, a gente vai ter subtipos de interação.”
A médica diz que o mais comum são pessoas que misturam o álcool com benzodiazepínicos —os calmantes. Isso porque ambas as drogas têm efeitos similares, ou seja, são depressoras do sistema nervoso central. Essa junção faz com que o efeito da bebida seja potencializado.
“Normalmente o objetivo é buscar algum grau de sedação”, afirma Joana Marczyk, psiquiatra do Programa da Mulher Dependente Química do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
Se alguém já faz o uso do medicamento psiquiátrico prescrito por um médico, é provável que já esteja em sofrimento psíquico. Muitas vezes, esse recurso é usado para garantir a indução ao sono ou até mesmo evitar algum pensamento repetitivo e indesejado, com o intuito de anestesiar as emoções.
Por outro lado, às vezes a pessoa já faz o uso recorrente da medicação e consome bebidas alcoólicas sem a intenção consciente de potencializar seu efeito. “Tem jovens que usam ansiolíticos e que não costumam beber durante a semana, mas vão em festas no final de semana e bebem muito”, diz André Malbergier, gerente médico do Serviço de Álcool e Drogas do Instituto Perdizes (IPer) da USP.
Os médicos chamam esse ato de binge, termo em inglês usado para indicar o consumo excessivo de álcool. Os especialistas dizem que, em relação ao álcool, isso se refere a quatro doses em duas horas para as mulheres e cinco doses em duas horas para os homens.
Esse nível de consumo já ocasionaria os efeitos depressores do próprio álcool. Associados aos medicamentos, esses efeitos se potencializam e, com eles, os riscos também se tornam maiores.
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“As pessoas podem ficar mais sujeitas a perda de controle”, acrescenta o médico. “Usando o álcool misturado com a medicação legalmente prescrita, você vai ficar mais sensível, e aí fica mais sujeito a violência, a agressividade e a inadequação.”
Na verdade, a lista de riscos é grande. Além dos benzodiazepínicos, algumas pessoas consomem álcool com estabilizadores de humor, que são também anticonvulsivantes. Isso aumenta o perigo de convulsão. Já outras buscam prolongar o efeito eufórico da bebida com um remédio que estimula o sistema nervoso central, como as anfetaminas.
“Se a pessoa tiver uma predisposição, pode desencadear um quadro psicótico”, afirma Malbergier. Essa mistura também pode ocasionar arritmia cardíaca e até infartos em pessoas mais velhas.
Esses são os riscos imediatos. Também existem os de se fazer esse uso recorrente a longo prazo. “Isso vai se tornando uma forma de lidar com o sofrimento que está apenas empurrando um assunto para a frente, sem resolvê-lo. E aí pode se desenvolver uma dependência tanto pelo álcool quanto pelo medicamento”, diz Marczyk.
Azevedo explica que esse tipo de adição é chamada de dependência dupla, e prejudica o tratamento, já que normalmente se usa os benzodiazepínicos para tratar a dependência do álcool.
O risco de desenvolver a dependência —tanto alcoólica quanto medicamentosa— depende de uma série de fatores, afirma Malbergier. “Envolve genética, o acesso a medicações, o ambiente familiar, a psicopatologia. Tudo isso pode influenciar se uma pessoa vai se tornar dependente ou não.”