Em tempos de contabilizar o número de denunciantes na defesa de um acusado de assédio sexual, como se a palavra de uma única vítima fosse insuficiente até mesmo para instaurar um inquérito, no último 20 de março a Justiça brasileira reafirmou, em última instância, a condenação do ator argentino-brasileiro Juan Darthés a seis anos de prisão, em regime semiaberto, pelo estupro da atriz argentina Thelma Fardin.
Segundo Carla Junqueira, advogada de Thelma no Brasil, a decisão da 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) representa uma mudança de paradigma ao consolidar a importância do testemunho da vítima como elemento central em casos de violência sexual. “Essa decisão redefine os critérios de valoração da prova nos processos de abuso sexual, especialmente em casos nos quais a palavra da vítima é o principal elemento probatório. Trata-se de um impacto jurídico não só para o Brasil, mas para toda a América Latina, onde os avanços nessa área ainda enfrentam resistência”, afirma a advogada.
Darthés já havia sido condenado pela 5ª Turma do TRF-3, em junho de 2024. A defesa recorreu alegando ausência de provas sobre o uso de violência ou grave ameaça. É comum que abusadores se valham do argumento de falta de provas, não apenas no sistema da Justiça, como também para ameaçar mulheres: “Você não tem prova nenhuma, quem vai acreditar em você?” Por isso é tão importante que esse escudo frequente de abusadores seja desmantelado.
Acusados de quaisquer crimes têm direito a ampla defesa, é evidente, mas não se pode criar um escudo prévio, para barrar até mesmo investigações, inquéritos ou julgamentos, sob o argumento de falta de provas materiais em situações de assédio e abuso. Ou violentar mulheres em segredo, cuidando de não gerar provas, se perpetua como o crime perfeito. É fundamental investigar as denúncias, mas sem desconsiderar a palavra da vítima.
Ao negar o recurso da defesa de Fardin, o relator deste último recurso destacou que se trata de um caso típico de violência sexual praticada em ambiente reservado, ressaltando que, segundo a jurisprudência consolidada, a palavra da vítima tem especial relevância nesse tipo de crime.
A advogada Carla Junqueira ressalta que a decisão pode abrir caminho para que casos semelhantes recebam um tratamento mais sensível e responsável no sistema judiciário.
“O precedente reforça a necessidade de um olhar mais atento para os depoimentos das vítimas”, afirma ela. “A expectativa é de que a decisão contribua para fortalecer os direitos das vítimas e a busca por justiça nos tribunais brasileiros e latino-americanos”.
Lá Fora
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Em 2009, durante uma turnê pela Nicarágua do programa televisivo argentino em que trabalhavam juntos, Juan Darthés, aos 45 anos, estuprou Thelma Fardin, aos 16.
A atriz sofreu em silêncio por 9 anos, até que, na onda #MeToo, em 2018, decidiu denunciar seu agressor.
Com dupla cidadania, Dalthés fugiu para o Brasil. Por quatro anos Thelma enfrentou a exposição pública de seu trauma e os questionamentos da veracidade de sua denúncia, enquanto buscava compreender o sistema jurídico brasileiro.
Em 2022, Darthés foi absolvido pela Justiça de São Paulo. Thelma recorreu da decisão judicial e buscou apoio em redes feministas brasileiras. Em junho passado, seu abusador foi condenado em segunda instância.
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