Oito anos depois de sua primeira posse presidencial, Donald Trump volta ao Capitólio em triunfo. Assume com mais apoio popular, domínio republicano na Câmara e no Senado e poucos sinais de revolta entre os democratas. Mas uma coisa não mudou: o republicano continua apostando no ressentimento e na manipulação de percepções para ascender —e se manter— no poder.
Em 20 de janeiro de 2017, em uma cerimônia gélida no jardim do Capitólio, com vários espaços vazios, Trump foi empossado com um discurso sombrio, em que anunciava: “a carnificina americana para aqui e para agora mesmo”. Segundo ele disse na ocasião, “os políticos prosperaram, mas os empregos partiram, e as fábricas foram fechadas. O establishment se protegeu, mas não protegeu os cidadãos de nosso país.”
A frase teria levado o ex-presidente George W. Bush, presente no evento, a comentar: “That was some weird shit” (algo como “esse negócio foi bem esquisito”).
Nesta segunda-feira (20) também gelada, em que VIPs disputaram a tapa um lugar abrigado na apinhada rotunda do Capitólio, Trump assumiu seu segundo mandato dobrando a aposta.
“A partir deste momento, o declínio da América chega ao fim”, disse. “Nossas liberdades e o glorioso destino de nossa nação não serão mais negados, e restauraremos imediatamente a integridade, competência e lealdade do governo americano.”
A mesma estratégia de instigar entre seus apoiadores a sensação de que os EUA estão em queda livre e de que eles são injustiçados em seu próprio país garantiu as vitórias em 2016 e 2024 e deve ser mantida em seu segundo governo.
Os trumpistas são mestres em moldar percepções. Trump não ganhou de lavada —ao contrário do que deu a entender em seu discurso de posse, ao dizer: “Nossa vitória mostrou que toda a nação está rapidamente se unindo em torno de nossa agenda, com aumentos dramáticos de apoio de praticamente todos os elementos da nossa sociedade.”
O republicano venceu no voto popular em 2024 por apenas 1,5 ponto. Em 2020, Joe Biden teve 4,5 pontos de vantagem; Hillary Clinton, que perdeu no Colégio Eleitoral em 2016, teve 2,1 pontos a mais na votação popular; Barack Obama teve 7,2 pontos a mais em 2008, e George W. Bush 2,4 pontos em 2004.
Mas Trump se fia na ideia de que obteve apoio irrestrito da maioria da população americana para implementar mudanças profundas no país. “A recente eleição nos dá o mandato para reverter completamente todas as muitas traições que ocorreram, e devolver ao povo sua fé, sua riqueza, sua democracia e, de fato, sua liberdade”, disse no Capitólio.
Sabemos que o republicano não é adepto do estelionato eleitoral, para o bem e para o mal. Em seu primeiro mandato, foi só por incompetência e falta de traquejo politico que algumas de suas medidas mais radicais não saíram do papel, como o muro na fronteira com o México e o veto à entrada de pessoas de sete países de maioria muçulmana.
Desta vez, os trumpistas tiveram quatro anos para avaliar juridicamente a viabilidade de medidas extremas como as que o presidente anunciou já em seu primeiro dia: ordens executivas para implementar a deportação em massa, corte de incentivos a carros elétricos, fim de restrições à exploração de petróleo.
Além disso, o Partido Republicano controla Câmara e Senado, ainda que não com muita folga. Ou seja, no atual mandato, são bem maiores as chances de Trump conseguir tirar do papel algumas de suas promessas mais drásticas.
Lá Fora
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Trump é o influenciador-chefe, o maior mestre na arte da manipulação de percepções. E se aliou aos novos donos dos meios de comunicação, os tecno-oligarcas que mandam em plataformas como X, Facebook, Instagram, TikTok e Amazon.
Mas não está claro se todo esse poder de fogo será suficiente para convencer a metade dos Estados Unidos que não votou em Trump de que essas ações drásticas são apenas “a revolução do senso comum”, como disse o republicano no Capitólio. A ver como esses milhões de americanos vão reagir ao provável caos que deve ser causado pelas deportações em massa, o aumento de preços depois de imposição disseminada de tarifas, e consequências do negacionismo climático.