Imagine que você está em um supermercado e vê uma promoção: um produto que custava R$ 20 agora está por R$ 18. Parece mais barato, certo? Mas e se, ao ler o rótulo, você descobrir que o pacote agora tem 20% menos produto? Com certeza todos já se depararam com situação parecida no supermercado. Entretanto, muitos não percebem o rótulo e realmente acreditam que estão capturando uma promoção. O preço caiu, mas será que o valor realmente melhorou? No mercado de ações brasileiro, acontece algo muito parecido e muitos também acreditam que estão capturando uma promoção.
A maioria dos investidores iniciantes acredita que, quando o preço de uma ação ou índice cai, ele automaticamente fica mais barato. No entanto, o que realmente importa é o quanto o preço negociado está abaixo ou acima do que consideramos o preço justo ou valor justo. O preço justo é estimado com base em fundamentos econômicos, como taxa de juros, inflação e expectativas de crescimento.
Em 2024, o Ibovespa caiu cerca de 6%, mas, paradoxalmente, está mais caro do que no início do ano. Isso ocorre porque a queda nos preços não foi suficiente para compensar as mudanças no cenário econômico, especialmente a alta da taxa de juros real de longo prazo.
Usando o modelo de Gordon apresentado na figura abaixo, podemos entender como essa dinâmica funciona. O modelo, amplamente utilizado em valuation, estima o preço justo de uma ação ou índice com base nos dividendos esperados, na taxa de desconto e na taxa de crescimento de longo prazo.
Na figura abaixo apresento uma simulação para explicar. Vamos assumir que os dividendos estimados em 2024 não mudaram. Entretanto, a taxa de juros real subiu de 5,5% ao ano para 6,8% ao ano. Essa elevação impacta diretamente a taxa de desconto, que passaria na simulação de 14,11% no início do ano para 15,51% agora. Como resultado, o preço justo caiu cerca de 10%, ou seja, de quase 150 mil pontos para 134,6 mil pontos. Ou seja, mesmo com a queda nominal do Ibovespa, ele perdeu atratividade, pois o “desconto” ficou menor em relação ao preço justo revisado. O preço justo caiu 10%, mas os preços de mercado caíram apenas 6%.
Ressalta-se que o cenário na avaliação poderia ser ainda pior, pois dois fatores adicionais pioram o cenário e não foram considerados. A inflação mais alta pressiona os custos e reduz as margens de lucro das empresas, comprometendo o crescimento de seus resultados. Simultaneamente, o aumento do prêmio pelo risco eleva ainda mais a taxa de desconto, já que os investidores exigem retornos maiores para assumir riscos em um ambiente de maior incerteza econômica. Esses dois elementos tornam o cenário atual ainda mais desafiador para quem busca investir em ações.
Também destaco que, nessa simulação, o modelo de valuation reflete que, diferente do início do ano, consideramos agora um crescimento mais forte dos lucros a frente. Isso é reflexo de um crescimento econômico do país que tem surpreendido positivamente. No entanto, como mencionado, essa expectativa pode ser revisitada caso a inflação se mantenha elevada, comprometendo as margens das empresas.
O modelo de Gordon nos ajuda a visualizar como essas variáveis se conectam e mostram que, em mercados financeiros, o barato nem sempre é realmente barato. É por isso que quedas de preços precisam ser avaliadas em relação ao preço justo, que depende do cenário macroeconômico e das condições de mercado.
Para os investidores, essa mudança de cenário significa que as estratégias de alocação devem ser revisadas. As ações podem continuar sendo uma boa opção, mas o peso delas na carteira deve considerar o novo equilíbrio entre riscos e oportunidades. Embora o Ibovespa esteja mais caro em termos relativos, sempre há empresas que conseguem se beneficiar de cenários adversos, como o atual.
O grande desafio é identificar essas empresas e construir um portfólio que esteja alinhado às condições econômicas. Para isso, a escolha de bons gestores de fundos de ações, que possuem experiência e conhecimento para navegar em momentos como este, pode ser uma estratégia eficiente.
A lição aqui é clara: preço e valor são coisas diferentes. No mercado financeiro, o barato não é definido por quedas de preços, mas pela análise de fundamentos. A alta da taxa de juros real, por exemplo, que impacta negativamente as ações, torna as aplicações em renda fixa mais atraentes, reduzindo a necessidade de exposição a ativos de maior risco como ações. Mas, apesar de um cenário desafiador, com paciência e boas escolhas, é possível encontrar oportunidades mesmo quando o índice, em sua totalidade, parece estar caro.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
Fale comigo no Direct do Instagram.
Siga e curta o De Grão em Grão nas redes sociais. Acompanhe as lições de investimentos no Instagram.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.