De autoria da deputada federal Dani Cunha (União Brasil-RJ), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 192/23, que reduz o prazo de inelegibilidade definido pela Lei da Ficha Limpa, ganhou celeridade no Senado. Já aprovado pela Câmara dos Deputados, a proposta chegou ao plenário do Senado após ser referendado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
O texto, porém, foi alvo de discordância dos senadores e teve apreciação adiada para depois das eleições. A proposta é uma parte da “minirreforma eleitoral”, sendo relatada pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), que vai conversar com líderes da Casa e partidos para chegar a um acordo em torno do texto.
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O PLP que altera a Lei da Ficha Limpa prevê que o período de inelegibilidade permanece em oito anos, mas que o prazo começará a contar a partir da condenação do político. Atualmente, o prazo conta depois do cumprimento da pena. A alteração diminuiria o período do político longe das urnas.
A proposta ainda estabelece o período máximo de 12 anos para a inelegibilidade. Além disso, determina ser preciso comprovar o dolo quando o político cometer atos de improbidade e aumenta de quatro para seis meses o período de desincompatibilização de candidatos que são integrantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, militares e policiais.
Para o advogado Admar Gonzaga, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o projeto “corrige uma distorção”, uma vez que a inelegibilidade contada depois do cumprimento da pena se torna uma pena de “caráter perpétuo”. “Uma inelegibilidade de mais oito anos após o cumprimento da pena aumenta uma parte da condenação em mais tantos anos”, explicou Gonzada a Oeste.
“Uma pessoa tem uma condenação longa de dez anos, por exemplo, ela ficou inelegível a partir da condenação”, continuou. “Então, com oito anos, ela já está elegível, mas não pode se candidatar porque não terminou o cumprimento da pena dela e, durante o cumprimento da pena, fica com os direitos políticos suspensos.”
Conforme o ex-ministro, a proposição, principalmente, repara nos casos dos crimes com pena menor. “A pessoa fica com os direitos políticos suspensos durante os cinco anos, inelegível, portanto, durante os cinco anos e, depois, só mais três anos”, observou. “Isso traz uma harmonia com o princípio da proporcionalidade também e razoabilidade.”
Com relação à exigência do dolo, Gonzaga também considera importante. “Às vezes foi por negligência ou imprudência, e não pode tratar da mesma forma de quem teve a intenção”, continuou.
Já para o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, a proposta representa uma “mitigação” e um “enfraquecimento” dos efeitos da Lei da Ficha Limpa. “Os políticos estão sentindo exageros e excessos, mas como não têm coragem para revogar a lei, eles mitigam o prazo, diminuem o prazo dos efeitos”, explicou a Oeste. “Então, isso é um enfraquecimento em prol deles.”
De acordo com Rollo, o grande “problema” motivador do projeto é que, muitas vezes, o processo judicial a qual o político responde “demora muito”. “Mas eles mesmo recorrem”, continuou.
“Então, tem um processo que demora cinco, seis ou oito para terminar e vai cumprir a pena e, depois, vai contar os oito anos de inelegibilidade”, observou o advogado. “Então, pode ser que um político fique 20 anos fora do processo eleitoral, mas não é alguém que é inocente, é alguém que foi julgado e condenado pela Justiça. Se ele ficar 20 anos [longe] do processo eleitoral, paciência.”
Rollo acredita ainda que o prazo máximo de inelegibilidade ser fixado em 12 anos “abranda” a Lei da Ficha Limpa. Diferentemente de Gonzaga, que considera o prazo “razoável”.
“A pessoa que ficou 12 anos fora da eleição perde praticamente o eleitorado dela, mas, se ficar com alguma visibilidade política, é porque o eleitor quer aquela pessoa”, exemplificou o ex-ministro do TSE. “A lei não pode ficar tutelando muito o direito dos outros. Se não, você condena todo mundo. Não só a pessoa que ficou inelegível, mas o eleitor que fica impossibilitado de votar em alguém.”
Alteração na Lei da Ficha Limpa poderia beneficiar Bolsonaro?
Um trecho da proposta altera os casos em que a Justiça Eleitoral pode condenar políticos à inelegibilidade. A brecha fala que a perda do direito político só poderá ocorrer quando o condenado por abuso de poder econômico ou político usar de comportamentos que possam “implicar a cassação de registros, de diplomas ou de mandatos”.
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado pelo TSE por prática de abuso de poder político. O caso se refere a reunião que ele fez com embaixadores questionando as urnas eletrônicas. Além disso, ele foi condenado por abuso de poder econômico pelo uso eleitoral das comemorações do Bicentenário da Independência, em 7 de Setembro de 2022.
Bolsonaro não teve o registro de candidatura cassada e também não perdeu o diploma ou mandato, pois não foi reeleito. A cassação só ocorreu, pois a “chapa beneficiária das condutas abusivas não ter sido eleita”, conforme o TSE.
Ao jornal Folha de São Paulo, o advogado Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, disse que o formato como o projeto foi elaborado poderia abrir brechas para a defesa do ex-presidente anular a inelegibilidade dele na Justiça.
Caso isso ocorra, não seria automaticamente. A defesa precisaria solicitar uma nova análise no caso diante das mudanças na lei. “Sob a nova redação, Bolsonaro poderia recuperar sua elegibilidade”, disse ao explicar que o Supremo Tribunal Federal decidiu que a inelegibilidade “não é pena” e que, por isso, pode se “submeter ao princípio da retroatividade”.
Para Gonzaga, caso isso ocorra, seria o efeito natural da nova legislação, que tem de ser aplicada a todos, sem “fulanizar”. “Se beneficiar ele, vai ter que beneficiar outras pessoas também”, explicou. “Existe um Parlamento, que tem um número considerável de pessoas que talvez tenham notado que aquela legislação para a conduta apontada a ele é exagerada.”
“Mas não foi só a ele, outras pessoas também”, continuou o ex-ministro da Corte Eleitoral. “Uma legislação não pode ser feita direcionada para beneficiar ou prejudicar alguém, mas tem que ser feita para o corpo social, todos nós brasileiros.”
Rollo, porém, acredita que a proposta não beneficiaria o ex-presidente. “O Bolsonaro foi condenado a partir da Justiça eleitoral, e essa condenação conta a partir da eleição, por isso, a condenação de 2022 mais oito anos dá 2030”, disse. “Isso não está sendo alterado, pelo que me lembro, por isso, ele continua inelegível.”
Parlamentares discordaram sobre alterações na Lei da Ficha Limpa
Durante a sessão da terça-feira 3 no Senado — em que a votação da proposta foi adiada — senadores discordaram sobre o texto. Petista, o senador Humberto Costa (PE) classificou a proposição como uma “desconstituição” para “beneficiar” terceiros. “É inaceitável que essa Casa esteja discutindo um assunto como esse enquanto tantos assuntos são mais relevantes do que isso”, afirmou. Na Câmara, porém, o relator da proposta foi o deputado Rubens Pereira Jr, filiado ao PT-MA.
Apesar de destacar pontos positivos da proposta, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) disse que o texto não pode beneficiar políticos condenados criminalmente por crimes na administração pública.
“A Lei da Ficha Limpa tem pontuais injustiças e esse projeto corrige várias dessas injustiças, me refiro aos casos de inelegibilidade não decorrente da condenação criminal, mas de outra espécie de julgamento”, disse Moro. “Temos visto, infelizmente, várias injustiças sendo cometidas. Para ficar um exemplo, foi cassado o mandato do deputado federal mais votado do Paraná, Delta Dallagnol, sob um argumento que não convence.”
O post Senado pode alterar Lei da Ficha Limpa; especialistas discordam sobre tema apareceu primeiro em Revista Oeste.